A
Pedra que não canta mais *
Aluna: Iara Fonseca 3º ano A
O pai de Chicó e João Grilo, o nordestino "cabra da peste", Ariano
Suassuna, sempre fez questão de alertar nosso povo para se orgulhar, preservar
e propagar a riqueza da cultura popular brasileira. Porém, no lugar onde vivo,
a cultura parece sucumbir ao descaso e ao abandono.
Itamaracá, pequena e encantadora
ilha do litoral norte de Pernambuco. Os índios a chamaram de pedra que canta, devido
ao som produzido pelo encontro das águas do mar com as pedras. Foi a menina dos
olhos do saudoso cantor Reginaldo Rossi e é o reino da pedra preciosa que canta
ciranda, a rainha Lia. Embora sejam
parte da cultura da ilha, Lia e as rodas de ciranda têm sido cada vez mais raras em festas na cidade. Esse fato tem
gerado muita divergência de opinião entre os nativos do lugar.
Os mais antigos não se cansam de
contar histórias sobre os anos de ouro da ciranda e seus festivais que atraiam multidões
para a praia de Itamaracá. Segundo Dona Maria, representante do grupo da terceira
idade, a cultura de Lia faz parte do tesouro da ilha e não pode ser esquecida.
Ela ainda conta que, nas raras apresentações da cirandeira, sempre faz questão
de colocar sua saia rodada e se entregar ao balanço e ao ritmo que a acompanha
desde que nasceu.
Já a maioria da população jovem
posiciona-se contra a presença da ciranda nas festas da cidade. O estudante Higor Silva, argumenta que ritmos como o rock,
o brega e o funk não dão espaço para que a dança cultivada por seus pais e avós
conquiste sua geração. Para ele, a globalização e o avanço tecnológico abriram
um leque de possibilidades para que outras preferências musicais despontassem. Com
isso, o que se vê é um processo de aculturação, causando a perda da verdadeira
essência ilhéu. Segundo Maria Lúcia e Maria Helena no livro Filosofando,"cultura é o sentido de ser, pertencer a um determinado
grupo, região." Mas a identidade cultural da ilha vem sendo dominada por
outros ritmos musicais, especialmente por alguns bregas com linguagem
pejorativa e sem a mínima coerência e, a meu ver, não colaboram em nada com
nossa história cultural.
Porém não podemos apenas culpar os
jovens por esse assassinato cultural, pois parte de nossa própria administração
municipal, há muito tempo, vem tratando esse assunto com descaso. A própria Lia,
em uma entrevista feita pelo Diário de
Pernambuco, disse que é preciso buscar
quem valorize sua arte, pois "se ficar na ilha, vai ficar a ver navios''.
Infelizmente carregar o nome da ilha
mundo afora não tem sido mais um motivo
para ser reconhecida. Há algum tempo as apresentações cirandeiras resistiam nas
noites de sábado em um local humilde à beira mar. Porém a fragilidade da
estrutura não suportou o último inverno e veio a desabar, colocando um fim
melancólico e revoltante ao balanço de mãos e corpos guiados pela voz forte da
rainha, sob a luz da lua e testemunhado pelo vai e vem das ondas do mar.
Assim,
sou filha da ilha e dói ver a verdadeira pedra que canta e encanta sendo
silenciada pelo desprezo. Meu maior medo é que nossas raízes e matrizes morram
por falta de irrigação. Na minha opinião, a ciranda não tem prazo de validade
nem indicação para determinada faixa etária. Defendo a ideia da implantação de
projetos nas escolas para que, desde pequenos, os ilhéus tenham plantadas em
seus corações a semente da ciranda. Amo
essa dança que, para mim, é um verbo que conjugamos juntos, de mãos dadas, a
cada passo marcado pelos tambores e se emoldura como minha identidade cultural.
É preciso aprender a valorizá-la para evitar que nossa rainha morra e seu
legado seja esquecido pelas futuras gerações. Como diz o poeta Azuir Filho, no blog Giramundo, "a ciranda de Lia ajuda a libertar os humanos
da pequeneza e os leva à condição de igualdade e de irmandade para construírem
em união e comunhão o entendimento e a felicidade das comunidades
humanas."
* Texto selecionado pela comissão julgadora como representante da Erem Pradines na etapa municipal das Olimpíadas da Língua Portuguesa 2014, na categoria artigo de opinião.
É lastimável que um patrimônio vivo local, como a Lia de Itamaracá, tenha sido esquecido pelos seus conterrâneos. A globalização de culturas e ritmos são importantes na ampliação da diversidade, porém fomentar e valorizar as nativas e pré-existentes culturas é tão ou mais importante quanto.
ResponderExcluirBelíssimo texto, Iara!
Tá vendo, comparsa Luiz, como meus meninos estão escrevendo bem? bjo =)
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