sábado, 16 de agosto de 2014

Texto finalista da etapa escolar

A Pedra que não canta mais *
Aluna: Iara Fonseca 3º ano A  

            O pai de Chicó e João Grilo, o nordestino "cabra da peste", Ariano Suassuna, sempre fez questão de alertar nosso povo para se orgulhar, preservar e propagar a riqueza da cultura popular brasileira. Porém, no lugar onde vivo, a cultura parece sucumbir ao descaso e ao abandono.
            Itamaracá, pequena e encantadora ilha do litoral norte de Pernambuco. Os índios a chamaram de pedra que canta, devido ao som produzido pelo encontro das águas do mar com as pedras. Foi a menina dos olhos do saudoso cantor Reginaldo Rossi e é o reino da pedra preciosa que canta ciranda, a rainha Lia. Embora  sejam parte da cultura da ilha, Lia e as rodas de ciranda têm sido cada vez mais  raras em festas na cidade. Esse fato tem gerado muita divergência de opinião entre os nativos do lugar.
            Os mais antigos não se cansam de contar histórias sobre os anos de ouro da ciranda e seus festivais que atraiam multidões para a praia de Itamaracá. Segundo Dona Maria, representante do grupo da terceira idade, a cultura de Lia faz parte do tesouro da ilha e não pode ser esquecida. Ela ainda conta que, nas raras apresentações da cirandeira, sempre faz questão de colocar sua saia rodada e se entregar ao balanço e ao ritmo que a acompanha desde que nasceu.
            Já a maioria da população jovem posiciona-se contra a presença da ciranda nas festas da cidade. O estudante  Higor Silva, argumenta que ritmos como o rock, o brega e o funk não dão espaço para que a dança cultivada por seus pais e avós conquiste sua geração. Para ele, a globalização e o avanço tecnológico abriram um leque de possibilidades para que outras preferências musicais despontassem. Com isso, o que se vê é um processo de aculturação, causando a perda da verdadeira essência ilhéu.   Segundo Maria Lúcia e Maria Helena no livro Filosofando,"cultura é o sentido de ser, pertencer a um determinado grupo, região." Mas a identidade cultural da ilha vem sendo dominada por outros ritmos musicais, especialmente por alguns bregas com linguagem pejorativa e sem a mínima coerência e, a meu ver, não colaboram em nada com nossa história cultural.
            Porém não podemos apenas culpar os jovens por esse assassinato cultural, pois parte de nossa própria administração municipal, há muito tempo, vem tratando esse assunto com descaso. A própria Lia, em uma entrevista feita pelo Diário de Pernambuco, disse que é  preciso buscar quem valorize sua arte, pois "se  ficar na ilha, vai ficar a ver navios''.
            Infelizmente carregar o nome da ilha  mundo afora não tem sido mais um motivo para ser reconhecida. Há algum tempo as apresentações cirandeiras resistiam nas noites de sábado em um local humilde à beira mar. Porém a fragilidade da estrutura não suportou o último inverno e veio a desabar, colocando um fim melancólico e revoltante ao balanço de mãos e corpos guiados pela voz forte da rainha, sob a luz da lua e testemunhado pelo vai e vem das ondas do mar.

    Assim, sou filha da ilha e dói ver a verdadeira pedra que canta e encanta sendo silenciada pelo desprezo. Meu maior medo é que nossas raízes e matrizes morram por falta de irrigação. Na minha opinião, a ciranda não tem prazo de validade nem indicação para determinada faixa etária. Defendo a ideia da implantação de projetos nas escolas para que, desde pequenos, os ilhéus tenham plantadas em seus corações a semente da  ciranda. Amo essa dança que, para mim, é um verbo que conjugamos juntos, de mãos dadas, a cada passo marcado pelos tambores e se emoldura como minha identidade cultural. É preciso aprender a valorizá-la para evitar que nossa rainha morra e seu legado seja esquecido pelas futuras gerações. Como diz o poeta  Azuir Filho, no blog  Giramundo, "a ciranda de Lia ajuda a libertar os humanos da pequeneza e os leva à condição de igualdade e de irmandade para construírem em união e comunhão o entendimento e a felicidade das comunidades humanas."    

* Texto selecionado pela comissão julgadora como representante da Erem Pradines na etapa municipal das Olimpíadas da Língua Portuguesa 2014, na categoria artigo de opinião.                                                                                                                                                                                                                                                                   

2 comentários:

  1. É lastimável que um patrimônio vivo local, como a Lia de Itamaracá, tenha sido esquecido pelos seus conterrâneos. A globalização de culturas e ritmos são importantes na ampliação da diversidade, porém fomentar e valorizar as nativas e pré-existentes culturas é tão ou mais importante quanto.
    Belíssimo texto, Iara!

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    1. Tá vendo, comparsa Luiz, como meus meninos estão escrevendo bem? bjo =)

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